sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Beltrame diz que morte de recruta em treino da PM foi homicídio


O secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, qualificou como homicídio a morte de um recruta depois de um treinamento “descabido e irresponsável” no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP). A declaração foi feita durante a cerimônia de formatura de 139 soldados do Centro, na manhã desta sexta-feira. O recruta Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, teve morte cerebral diagnosticada na segunda-feira e seu coração parou de bater às 6h de hoje. Ele foi obrigado a executar um treino exaustivo sob o sol do dia mais quente do ano até o momento, quando a sensação térmica chegou a 50 graus e os termômetros registraram 42 graus.
- O CFAP já formou mais de 7 mil policiais, mas nesse episódio, sem dúvida nenhuma, houve excesso por parte dos instrutores. Tanto que abrimos dois inquéritos policiais militares para que eles (instrutores) sejam investigados e punidos da forma mais justa possível. Essas pessoas vão ter que responder por esses homicídios - disse, durante a solenidade.
Paulo Aparecido Santos, na época em que servia no Exército
Paulo Aparecido Santos, na época em que servia no Exército Foto: Terceiro / Álbum de família
A Polícia Militar formou um grupo de estudos integrado por professores de educação física. Liderado pelo coronel Antonio Carballo, diretor-geral de ensino da PM, o grupo tem a missão de propor mudanças na grade curricular do curso do CFAP.
O recruta estava no segundo dia de curso, em fase de adaptação, quando passou mal. Ele foi levado para o Hospital Central da Polícia Militar, no Estácio, com forte insolação.
- Os médicos ligaram cedo dizendo que ele falência múltiplas dos órgãos, o coração dele parou de bater - contou a prima do jovem, Crislaine de Souza, que informou que o enterro deve ser realizado no cemitério de Engenheiro Pedreira, na Baixada Fluminense.
O pé de um recurta, com bolhas e queimaduras
O pé de um recurta, com bolhas e queimaduras Foto: / Álbum de família
Na terça-feira, o comandante do HCPM, coronel Armando Portocarrero informou que a causa morte de Paulo foi um derrame causado por uma série de fatores que incluem a temperatura, a prática de exercício físico e uma possível propensão genética. Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi aberto para apurar se houve excessos.



RJ: Polícia Civil vai investigar se recrutas da PM foram torturados no CFAP

O delegado titular da 33ª DP (Realengo), Carlos Augusto Nogueira Pinto, abriu um inquérito para investigar se houve tortura durante o treinamento da manhã do último dia 12 no Centro de Formação e Aprimoramento de Praças (Cfap) da PM. Na ocasião, 33 alunos precisaram de atendimento médico com pressão baixa, queimaduras nas mãos e nádegas e insolação. O recruta Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, foi internado após o treinamento e teve morte cerebral diagnosticada na segunda-feira. O Ministério Público estadual vai acompanhar as investigações.
— Vamos chamar os quatro oficiais e os 33 alunos para depor. É importante esclarecer se o que houve foi tortura — afirma o delegado.
O delegado Carlos Augusto registrou o caso de acordo com a Lei de Tortura, artigo 1º, parágrafo II, que fala em “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. A pena é de dois a oito anos de prisão.
A partir das informações publicadas pelo EXTRA, o delegado pretende apurar se o recruta Paulo Aparecido Santos de Lima morreu em decorrência do treinamento no CFAP. Segundo ele, será investigada a denúncia de que “alunos, durante o curso de formação, teriam sofrido castigos com sofrimentos intensos”.
Além de ouvir os recrutas e oficiais, o delegado Carlos Augusto também vai convocar familiares de Paulo Aparecido para depôr. Ele determinou ainda que sejam feitos exames de corpo de delito dos envolvidos, bem como solicitou laudos médicos e outros eventuais documentos que possam auxiliar nas investigações.
O coordenador de Direitos Humanos do MP, procurador Márcio Mothé, fez um pedido formal aos promotores da 29ª Promotoria de Investigação Penal para que todos os passos do Inquérito Policial Militar (IPM) sejam acompanhados. Segundo Mothé, o Código Penal Militar não prevê o crime de tortura e, por isso, a Polícia Civil também deve investigar o caso:
— Os relatos apontam para o crime civil de tortura. É inadmissível que em 2012 um oficial obrigue um praça a ficar sentado no asfalto quente — diz ele.
Segundo o comandante do Cfap, dois IPMs foram instaurados para investigar o que ocorreu na manhã do dia 12. Um deles trata das queimaduras; o outro vai investigar os recrutas que passaram mal por conta de insolação.
Médico: ‘Calor excessivo mata’
A partir de 42  graus de temperatura corporal, começa haver uma destruição celular. Em  pouco tempo, a pele, o coração, o sistema neurológico e os rins sofrem  alterações. A pessoa entra então em um quadro letárgico, de confusão  mental e modificações no comportamento.
De acordo com o presidente do Departamento de Exercício e Esporte da Sociedade Brasileira de  Cardiologia, Nabil Ghorayeb, não há uma estimativa de duração do  processo acima nem a quantidade de lesões que ele pode gerar. A única  certeza é que a hipertemia — termo para o aumento da temperatura do  organismo — pode levar a insuficiência renal aguda e, conquentemente, a  morte:
— O calor excessivo mata. Nos Estados Unidos, há aproximadamente 70 mortes por ano provocadas por isso.
O médico explica que, se a pessoa estiver praticando exercícios e não se  hidratar, o corpo não consegue baixar a temperatura que pegou de fora.  Aos poucos, o suor cessa, os batimentos aceleram e o cérebro já não  responde. Caso os órgãos sejam colocados em situações extremas, eles  podem “não voltar”. Segundo ele, com o agravamento do problema e a falta de hidratação, o corpo sofre um colapso.
Recruta continua em hospital da PM
De acordo  com a Polícia Militar, o estado de Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, não sofreu alterações nesta quarta-feira. Ele permanece no  Hospital Central da PM, no Estácio, na Zona Norte do Rio, onde teve a  morte cerebral decretada, situação considerada irreversível pelos  médicos. Ele está internado na unidade há dez dias.
Crislaine de  Souza, de 27 anos, prima do rapaz, reclamou de informações  desencontradas que estariam sendo repassadas à família pela equipe do  hospital. Segundo ela, o motivo da insatisfação é em relação à doação de órgãos.
— Primeiro, disseram que só poderiam aproveitar as  córneas. Nos dois últimos dias, estão afirmando que ele pode doar outros órgãos também. Desse jeito, a gente começa a contestar até mesmo o  exame que constatou a morte cerebral — disse ela, acrescentando que a  família pretende solucionar a questão ainda nesta quinta-feira.
Paulo Aparecido foi levado para o Hospital Central da PM depois de passar mal durante um treino no Centro Formação e Aperfeiçoamento de Praças  (Cfap), em Sulacap, na Zona Oeste. Ele e outros alunos eram preparados  para atuarem em Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Ao todo,  33 alunos passaram mal, sendo que 18 sofreram queimaduras nas nádegas ou nas mãos. Segundo um soldado, Paulo desmaiou por volta de 15h, com sol a pino.